Depois do almoço, eu chego no meu quarto e vejo meu irmão sentado na minha mesa, usando meu notebook. Uma coisa que me deixa possesso é ver alguém instalado no meu quarto, sem me dar a privacidade de usá-lo. Como se não bastasse o fato de que, desde que eu ganhei esse note ele simplesmente esqueceu de tudo mais que existe em casa, eu ainda não recuperei a privacidade do meu quarto, que pra mim é essencial. Não sei, pode parecer egoísmo da minha parte e sei bem que quando eu estiver fazendo faculdades eu não poderei gozar da regalia de ter um cômodo só meu, mas o ato de cruzar a porta do meu quarto é uma expressão de desejo de privacidade absoluta. Não suporto quando alguém senta na minha mesa, deita na minha cama, abre a porta do meu guarda-roupa como se estivesse sentando na mesa de jantar, deitando no sofá da sala de estar ou abrindo a porta da geladeira que todo mundo usa. O que importa é que, ao ver meu irmão instalado no meu ambiente, fui procurar a solidão em outro cômodo da casa, ignorando a organização urgente do meu espaço.
Passado o almoço e a formalidade das panelas e pratos limpos, fomos às compras. Distraídos com o agressivo mundo de cores e tentações que somente o consumismo proporciona, acabei chocado com o resultado final, aumentando minha angústia ainda mais. Até o caminho de casa mais dois pontos para o estresse. E aí vem o escapismo, a vontade de engolir de uma vez a caixa de remédios que envenena o armário da cozinha. Agora estou aqui, selando a fogo a raiva acumulada de uma linda tarde de domingo que, por razões de ordem biológica e metafísica, se tornou mais frustrante do que mil segundas-feiras.